5.09.2007

DES-pedir II

E a hora certa?

O poeta espanhol Antonio Machado tem um belo verso no qual transmite essa idéia: “O vento, num dia radioso, certa vez chamou”. A frase sintetiza o que se passou comigo. Há pouco mais de três meses, comecei a me despedir de uma Fernanda antiga para abrigar uma outra, renovada, que está docemente vindo à tona. Deixei um emprego bacana, com um bom salário, numa empresa em que trabalhei por sete anos e meio e onde tinha algum status e vários amigos. Para quê? Não sei exatamente – dedicar-me ao teatro e ao clown, coadjuvantes da minha trajetória anterior e que agora pedem para ser protagonistas; viajar pelo mundo visitando projetos humanitários; escrever livros. Ao menos, é para isso que me sinto impelida. E esta matéria faz parte da minha despedida, ajudando a aceitar meus sentimentos nesse período frutífero de incertezas.
“O verdadeiro adeus surge quando a pessoa já entendeu qual é seu destino e refletiu muito a respeito do que precisa se desembaraçar para seguir adiante em seu caminho”, afirma a filósofa Dulce Critelli, professora da PUC de São Paulo. Para ela, a lucidez na finalização de um ciclo indica um importante sinal de maturidade: o indivíduo compreende que é responsável pela própria existência. E também pelos ganhos e perdas, acertos e erros de suas escolhas. O processo da despedida sempre carrega duas grandes questões – cruciais, aliás, para a maioria das tradições filosóficas. Quem sou eu? E qual é o sentido da vida? Segundo a filósofa, nem sempre o adeus é consciente, fruto de um período de maturação. Pode ser o desejo de escapar de um contexto desconfortável. Isso acontece, por exemplo, quando uma nova habilidade é requerida no trabalho e o indivíduo se sente acuado ou inseguro. Também quando a intimidade começa a se estabelecer num relacionamento amoroso e uma das partes acha que não suporta a situação. Em ambos os casos, a pessoa decide, às pressas, pôr um ponto final na experiência a fim de fugir dela e evitar o confronto com seus fantasmas. “Essa atitude não é de engajamento com uma decisão madura”, afirma Dulce. “Na ruptura coerente, existe uma construção gradativa de bases para o novo caminho.”

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