3.17.2007

SELEÇÃO - Drummond

Essa seleção não foi feita por mim!!!!
Um grande amigo me pediu...para colocar essas poesias...e lá vai !
E que bom que o progresso existe. Você - mesmo distante - vai compartilhar esse espaço comigo!
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AS SEM RAZÕES DO AMOR
Eu te amo porque te amo
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo bastante a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga, nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
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Então eu acho que agora eu estou, evidentemente, muito mais equipado
para viver, embora a margem de vida que sobra não seja a maior.
Mas, de qualquer maneira, o caminho percorrido assinala isso, que eu fui de
evolução em evolução, de passo em passo e passo a passo, ou talvez um
pouco aos tropeções, mas fui vivendo ao longo da vida e aprendendo coisas.
Eu acho que a diferença fundamental não existe entre o jovem inquieto
e um velhinho já mais ou menos tranqüilo: o temperamento não mudou,
apenas as experiências me ajudaram a ver mais claro as coisas que eu via
então de uma maneira um pouco embaçada.
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AMOR E SEU TEMPO
Amor é privilégio de maduros
estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.
É isto, amor: o ganho não previsto,

o prêmio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado,
que, decifrado, nada mais existe
valendo a pena e o preço do terrestre,
salvo o minuto de ouro no relógio
minúsculo, vibrando no crepúsculo.
Amor é o que se aprende no limite,
depois de se arquivar toda a ciência
herdada, ouvida. Amor começa tarde.
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COMUNHÃO
Todos os meus mortos estavam de pé, em círculo eu no centro.
Nenhum tinha rosto.
Eram reconhecíveis pela expressão corporal e pelo que diziam no silêncio de suas roupas
além da moda e de tecidos;
roupas não anunciadas nem vendidas.
Nenhum tinha rosto.
O que diziam escusava resposta, ficava, parado, suspenso no salão, objeto denso,
tranqüilo.
Notei um lugar vazio na roda.
Lentamente fui ocupá-lo.
Surgiram todos os rostos, iluminados.
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SALÁRIO
Ó que lance extraordinário:
aumentou o meu salário
e o custo de vida, vário,
muito acima do ordinário,
por milagre monetário
deu um salto planetário.
Não entendo o noticiário.
Sou um simples operário,
escravo de ponto e horário,
sou caxias voluntário
de rendimento precário,
nível de vida sumário,
para não dizer primário,
e cerzido vestuário.
Não sou nada perdulário,
muito menos salafrário,
é limpo meu prontuário,
jamais avancei no Erário,
não festejo aniversário
e em meu sufoco diário
de emudecido canário,
navegante solitário,
sob o peso tributário,
me falta vocabulário
para um triste comentário.
Mas que lance extraordinário:
com o aumento de salário,
aumentou o meu calvário!

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